sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Chris Hedges: Orwell estava certo. Huxley, também

Publicada por Luiz Carlos Azenha em 27 de dezembro de 2010 (17:34) na Você escreve

Published on Monday, December 27, 2010 by TruthDig.com

2011: A Brave New Dystopia

by Chris Hedges

As duas grandiosas visões sobre uma futura distopia foram as de George Orwell em 1984 e de Aldous Huxley em Brave New World. O debate entre aqueles que assistiram nossa decadência em direção ao totalitarismo corporativo era sobre quem, afinal, estava certo. Seria, como Orwell escreveu, dominado pela vigilância repressiva e pelo estado de segurança que usaria formas cruas e violentas de controle? Ou seria, como Huxley anteviu, um futuro em que abraçariamos nossa opressão embalados pelo entretenimento e pelo espetáculo, cativados pela tecnologia e seduzidos pelo consumismo desenfreado? No fim, Orwell e Huxley estavam ambos certos. Huxley viu o primeiro estágio de nossa escravidão. Orwell anteviu o segundo.

Temos sido gradualmente desempoderados por um estado corporativo que, como Huxley anteviu, nos seduziu e manipulou através da gratificação dos sentidos, dos bens de produção em massa, do crédito sem limite, do teatro político e do divertimento. Enquanto estávamos entretidos, as leis que uma vez mantiveram o poder corporativo predatório em cheque foram desmanteladas, as que um dia nos protegeram foram reescritas e nós fomos empobrecidos. Agora que o crédito está acabando, os bons empregos para a classe trabalhadora se foram para sempre e os bens produzidos em massa se tornaram inacessíveis, nos sentimos transportados do Brave New World para 1984. O estado, atulhado em déficits maciços, em guerras sem fim e em golpes corporativos, caminha em direção à falência.

[...]

Orwell nos alertou sobre um mundo em que os livros eram banidos. Huxley nos alertou sobre um mundo em que ninguém queria ler livros. Orwell nos alertou sobre um estado de guerra e medo permanentes. Huxley nos alertou sobre uma cultura de prazeres do corpo. Orwell nos alertou sobre um estado em que toda conversa e pensamento eram monitorados e no qual a dissidência era punida brutalmente. Huxley nos alertou sobre um estado no qual a população, preocupada com trivialidades e fofocas, não se importava mais com a verdade e a informação. Orwell nos viu amedrontados até a submissão. Mas Huxley, estamos descobrindo, era meramente o prelúdio de Orwell. Huxley entendeu o processo pelo qual seríamos cúmplices de nossa própria escravidão. Orwell entendeu a escravidão. Agora que o golpe corporativo foi dado, estamos nus e indefesos. Estamos começando a entender, como Karl Marx sabia, que o capitalismo sem limites e desregulamentado é uma força bruta e revolucionária que explora os seres humanos e o mundo natural até a exaustão e o colapso.

“O partido busca todo o poder pelo poder”, Orwell escreveu em 1984. “Não estamos interessados no bem dos outros; estamos interessados somente no poder. Não queremos riqueza ou luxo, vida longa ou felicidade; apenas poder, poder puro. O que poder puro significa você ainda vai entender. Nós somos diferentes das oligarquias do passado, já que sabemos o que estamos fazendo. Todos os outros, mesmo os que se pareciam conosco, eram covardes e hipócritas. Os nazistas alemães e os comunistas russos chegaram perto pelos seus métodos, mas eles nunca tiveram a coragem de reconhecer seus próprios motivos. Eles fizeram de conta, ou talvez tenham acreditado, que tomaram o poder sem querer e por um tempo limitado, e que logo adiante havia um paraíso em que os seres humanos seriam livres e iguais. Não somos assim. Sabemos que ninguém toma o poder com a intenção de entregá-lo. Poder não é um meio; é um fim. Ninguém promove uma ditadura c om o objetivo de assegurar a revolução; se faz a revolução para assegurar a ditadura. O objeto da perseguição é perseguir. O objeto de torturar é a tortura. O objeto do poder é o poder”.

O filósofo político Sheldon Wolin usa o termo “totalitarismo invertido” no livro “Democracia Ltda.” para descrever nosso sistema político. É um termo que não faria sentido para Huxley. No totalitarismo invertido, as sofisticadas tecnologias de controle corporativo, intimidação e manipulação de massas, que superam em muito as empregadas por estados totalitários prévios, são eficazmente mascaradas pelo brilho, barulho e abundância da sociedade de consumo. Participação política e liberdades civis são gradualmente solapadas. O estado corporativo, escondido sob a fumaça da indústria de relações públicas, da indústria do entretenimento e do materialismo da sociedade de consumo, nos devora de dentro para fora. Não deve nada a nós ou à Nação. Faz a festa em nossa carcaça.

O estado corporativo não encontra a sua expressão em um líder demagogo ou carismático. É definido pelo anonimato e pela ausência de rosto de uma corporação. As corporações, que contratam porta-vozes atraentes como Barack Obama, controlam o uso da ciência, da tecnologia, da educação e dos meios de comunicação de massa. Elas controlam as mensagens do cinema e da televisão. E, como no Brave New World, elas usam as ferramentas da comunicação para aumentar a tirania. Nosso sistema de comunicação de massas, como Wolin escreveu, “bloqueia, elimina o que quer que proponha qualificação, ambiguidade ou diálogo, qualquer coisa que esfraqueça ou complique a força holística de sua criação, a sua completa capacidade de influenciar”.

O resultado é um sistema monocromático de informação. Cortejadores das celebridades, mascarados de jornalistas, experts e especialistas, identificam nossos problemas e pacientemente explicam seus parâmetros. Todos os que argumentam fora dos parâmetros são desprezados como chatos irrelevantes, extremistas ou membros da extrema esquerda. Críticos sociais prescientes, como Ralph Nader e Noam Chomsky, são banidos. Opiniões aceitáveis cabem, mas apenas de A a B. A cultura, sob a tutela dos cortesãos corporativos, se torna, como Huxley notou, um mundo de conformismo festivo, de otimismo sem fim e fatal.

Nós nos ocupamos comprando produtos que prometem mudar nossas vidas, tornar-nos mais bonitos, confiantes e bem sucedidos — enquanto perdemos direitos, dinheiro e influência. Todas as mensagens que recebemos pelos meios de comunicação , seja no noticiário noturno ou nos programas como “Oprah”, nos prometem um amanhã mais feliz e brilhante. E isso, como Wolin apontou, é “a mesma ideologia que convida os executivos de corporações a exagerar lucros e esconder prejuízos, sempre com um rosto feliz”. Estamos hipnotizados, Wolin escreve, “pelo contínuo avanço tecnológico” que encoraja “fantasias elaboradas de poder individual, juventude eterna, beleza através de cirurgia, ações medidas em nanosegundos: uma cultura dos sonhos, de cada vez maior controle e possibilidade, cujos integrantes estão sujeitos à fantasia porque a grande maioria tem imaginação, mas pouco conhecimento científico”.

Nossa base manufatureira foi desmantelada. Especuladores e golpistas atacaram o Tesouro dos Estados Unidos e roubaram bilhões de pequenos acionistas que tinham poupado para a aposentadoria ou o estudo. As liberdades civis, inclusive o habeas corpus e a proteção contra a escuta telefônica sem mandado, foram enfraquecidas. Serviços básicos, inclusive de educação pública e saúde, foram entregues a corporações para explorar em busca do lucro. As poucas vozes dissidentes, que se recusam a se engajar no papo feliz das corporações, são desprezadas como freaks.

[...]

A fachada está desabando. Quanto mais gente se der conta de que fomos usados e roubados, mais rapidamente nos moveremos do Brave New World de Huxley para o 1984 de Orwell. O público, a certa altura, terá de enfrentar algumas verdades doloridas. Os empregos com bons salários não vão voltar. Os maiores déficits da história humana significam que estamos presos num sistema escravocrata de dívida que será usado pelo estado corporativo para erradicar os últimos vestígios de proteção social dos cidadãos, inclusive a Previdência Social.

O estado passou de uma democracia capitalista para o neo-feudalismo. E quando essas verdades se tornarem aparentes, a raiva vai substituir o conformismo feliz imposto pelas corporações. O vazio de nossos bolsões pós-industriais, onde 40 milhões de norte-americanos vivem em estado de pobreza e dezenas de milhões na categoria chamada “perto da pobreza”, junto com a falta de crédito para salvar as famílias do despejo, das hipotecas e da falência por causa dos gastos médicos, significam que o totalitarismo invertido não vai mais funcionar.

Nós crescentemente vivemos na Oceania de Orwell, não mais no Estado Mundial de Huxley. Osama bin Laden faz o papel de Emmanuel Goldstein em 1984. Goldstein, na novela, é a face pública do terror. Suas maquinações diabólicas e seus atos de violência clandestina dominam o noticiário noturno. A imagem de Goldstein aparece diariamente nas telas de TV da Oceania como parte do ritual diário da nação, os “Dois Minutos de Ódio”. E, sem a intervenção do estado, Goldstein, assim como bin Laden, vai te matar. Todos os excessos são justificáveis na luta titânica contra o diabo personificado.

A tortura psicológica do cabo Bradley Manning — que está preso há sete meses sem condenação por qualquer crime — espelha o dissidente Winston Smith de 1984. Manning é um “detido de segurança máxima” na cadeia da base dos Fuzileiros Navais de Quantico, na Virginia. Eles passa 23 das 24 horas do dia sozinho. Não pode se exercitar. Não pode usar travesseiro ou roupa de cama. Médicos do Exército enchem Manning de antidepressivos. As formas cruas de tortura da Gestapo foram substituídas pelas técnicas refinadas de Orwell, desenvolvidas por psicólogos do governo, para tornar dissidentes como Manning em vegetais. Quebramos almas e corpos. É mais eficaz. Agora todos podemos ir ao temido quarto 101 de Orwell para nos tornarmos obedientes e mansos.

Essas “medidas administrativas especiais” são regularmente impostas em nossos dissidentes, inclusive em Syed Fahad Hasmi, que ficou preso sob condições similares durante três anos antes do julgamento. As técnicas feriram psicologicamente milhares de detidos em nossas cadeias secretas em todo o mundo. Elas são o exemplo da forma de controle em nossas prisões de segurança máxima, onde o estado corporativo promove a guerra contra nossa sub-classe política – os afro-americanos. É o presságio da mudança de Huxley para Orwell.

“Nunca mais você será capaz de ter um sentimento humano”, o torturador de Winston Smith diz a ele em 1984.”Tudo estará morto dentro de você. Nunca mais você será capaz de amar, de ter amigos, do prazer de viver, do riso, da curiosidade, da coragem ou integridade. Você será raso. Vamos te apertar até esvaziá-lo e vamos encher você de nós”.

O laço está apertando. A era do divertimento está sendo substituída pela era da repressão. Dezenas de milhões de cidadãos tiveram seus dados de e-mail e de telefone entregues ao governo. Somos a cidadania mais monitorada e espionada da história humana. Muitos de nós temos nossa rotina diária registrada por câmeras de segurança. Nossos hábitos ficam gravados na internet. Nossas fichas são geradas eletronicamente. Nossos corpos são revistados em aeroportos e filmados por scanners. Anúncios públicos, selos de inspeção e posters no transporte público constantemente pedem que relatemos atividade suspeita. O inimigo está em toda parte.

Aqueles que não cumprem com os ditames da guerra contra o terror, uma guerra que, como Orwell notou, não tem fim, são silenciados brutalmente. Medidas draconianas de segurança foram usadas contra protestos no G-20 em Pittsburgh e Toronto de forma desproporcional às manifestações de rua. Mas elas mandaram uma mensagem clara — NÃO TENTE PROTESTAR. A investigação do FBI contra ativistas palestinos e que se opõem à guerra, que em setembro resultou em buscas em casas de Minneapolis e Chicago, é uma demonstração do que espera aqueles que desafiam o Newspeak oficial. Os agentes — ou a Polícia do Pensamento — apreenderam telefones, computadores, documentos e outros bens pessoais. Intimações para aparecer no tribunal já foram enviadas a 26 pessoas. As intimações citam leis federais que proíbem “dar apoio material ou recursos para organizações terroristas estrangeiras”. O Terror, mesmo para aqueles que não tem n ada a ver com terror, se torna o instrumento usado pelo Big Brother para nos proteger de nós mesmos.

“Você está começando a entender o mundo que estamos criando?”, Orwell escreveu. “É exatamente o oposto daquelas Utopias estúpidas que os velhos reformistas imaginaram. Um mundo de medo, traição e tormento, um mundo em que se atropela e se é atropelado, um mundo que, ao se sofisticar, vai se tornar cada vez mais cruel”.

Matéria tirada do Viomundo - O que você não vê na mídia Olá ALON,
Seu amigo, WAGNER ALON, recomendou esta matéria com título 'Chris Hedges: Orwell estava certo. Huxley, também' para você.

Chris Hedges: Orwell estava certo. Huxley, também
Publicada por Luiz Carlos Azenha em 27 de dezembro de 2010 (17:34) na Você escreve

Published on Monday, December 27, 2010 by TruthDig.com

2011: A Brave New Dystopia

by Chris Hedges


Matéria tirada do Viomundo - O que você não vê na mídia - http://viomundo.com.br

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"Igreja", "Estado" e certas circunstâncias

Por Eugênio Bucci em 28/12/2010
Reproduzido da Revista da ESPM, volume 17, nº 5, setembro/outubro de 2010

Desde fins do século XIX, as empresas que editam os melhores jornais do mundo começaram a aprender a dividir seus funcionários em duas equipes bem diferentes: uma é a equipe dos jornalistas, que cuidam da área editorial (a "Igreja"); do outro lado, fica a área comercial (o "Estado"). O objetivo sempre foi o mesmo: assegurar um ambiente em que interesses de anunciantes ou financeiros não distorçam as pautas e o enfoque das reportagens. A partir do final do século XX, tudo passou a mudar muito rapidamente. Em algumas redações, o pessoal de marketing ou da publicidade chega a participar da pauta, e ninguém se sente traindo a confiança do leitor. "Igreja" de um lado e "Estado" de outro é coisa do passado? Ou a velha fórmula funciona para um tipo de jornalismo, mas para todos? Epa: mas será que existe mais de um tipo de jornalismo? Essas perguntas valem um artigo. Pelo menos.

Henry Luce (1898-1967), co-fundador da revista Time, levou a fama. Foi ele o principal defensor da ideia de separar o lado comercial (apelidado de "Estado") e o lado editorial (a "Igreja") na administração de Time Inc. – e sua persistência fez escola e deixou um legado que se estendeu para empresas jornalísticas em todo o mundo. Esse tipo de separação, às vezes mais, às vezes menos intensa, já existia antes dele, é fato. Mas, depois de Luce e de sua determinação em deixar sempre explícito que suas publicações existiam para servir ao interesse público, o método "Igreja e Estado" virou um padrão. Ou, melhor: virou o padrão organizacional para gerir os negócios e preservar a integridade jornalística.


Antes de tudo, o que chama a atenção nas duas palavras escolhidas para nomear as duas metades de uma casa editorial é a metáfora que elas suscitam. É como se a antiga Time Inc. fosse um híbrido de céu e inferno: de um lado, frades entoando cânticos sob tetos góticos; do outro, políticos de cara feia urdindo negociatas inconfessáveis. Claro que não é nem era nada disso. Mesmo assim, a metáfora deixou marcas moralistas no imaginário de gerações e gerações de editores.

Ainda voltaremos a essas marcas. Antes de esmiuçá-las, contudo, convém começar pelo começo.

PARTE I
O primeiro jeito de contar a história

O começo é entender como é que surgiu a separação entre "Igreja" e "Estado" no ambiente da imprensa. Um modo simples de entender é tentar fazer com que a nossa imaginação volte no tempo e tente visualizar a vida como ela era no passado.

Pensemos numa empresa jornalística de perfil clássico, numa era remota. Pensemos numa grande revista, ou num grande jornal à moda antiga. São feitos em papel, letra preta sobre fundo branco. Entre o fim do século XIX e meados do século XX, irão prosperar e atingir o apogeu. Na redação, máquinas de escrever barulhentas e homens fumando com uma mão e amarrotando as laudas com a outra. Alguns passeiam com viseiras. Estamos num filme em preto e branco.

Naquela época, os melhores profissionais não se deixavam capturar por aqueles que, insidiosos ou melífluos, procuravam influenciar a livre formação da vontade do leitor. Jornalista que tinha a consciência heróica ou romântica de sua missão sabia muito bem: o leitor era seu patrão, ponto final. Ele era a "Igreja", pois se encarregava dos assuntos da "alma": a "alma" do negócio, ou seja, a credibilidade do jornal.

Os patrões mais talentosos também sabiam. Seus clientes eram os leitores; os anunciantes apenas pegavam carona nessa relação de confiança. A sustentação essencial vinha do leitor, que só pagava pelos jornais porque acreditava que eles tinham um compromisso de lhe entregar um relato honesto sobre os fatos de seu interesse. O leitor sabia que os jornais podiam errar, mas confiava no propósito que eles tinham de procurar acertar. Por isso, pagava. Por isso, os negócios cresciam.

Na administração desses jornais, os assuntos mundanos, aqueles que não diziam respeito à "Igreja", recaíam no outro departamento, o "Estado". Era aí que os funcionários se descabelavam para ver como fechar a folha de pagamentos no final do mês, ou para fazer sair aquele financiamento decisivo, ou para vender anúncios. Eram eles que tinham que administrar a conversa dos representantes dos anunciantes, que tinham o péssimo hábito de perguntar se não havia um jeitinho de pautar uma matéria favorável ao seu produto. O pessoal do "Estado" – isso naqueles tempos estamos aqui imaginando como tempos gloriosos – dizia que não, que não tinha jeitinho nenhum. Interesses comerciais não poderiam aterrissar na mesa dos editores, reservadas inteiramente às questões da "alma".

Com essa mística, a velha analogia prosperou. Com o tempo, alguns se radicalizaram. Começaram a proclamar que era preciso erguer uma muralha da China entre a "Igreja" e o "Estado". Outros queriam elevadores separados: um para os contatos publicitários, outro para os repórteres. No nosso velho mundo ideal, a turma da "Igreja" mal se encontrava com os funcionários do "Estado", uns não davam bom-dia aos outros. Namorar, nem pensar. O lado da Igreja não tinha que se preocupar com "business plan", e um gerente de marketing só ficava sabendo das notícias no momento em que a publicação ia para as bancas.

A credibilidade estava preservada para todo o sempre. O leitor sairia ganhando pelos séculos e séculos. Amém.

Ah, sim: e revoguem-se as disposições em contrário.

PARTE II
O segundo jeito de contar a história

Acontece que os magnatas e os jornalistas não inventaram essa conversa de "Igreja" e "Estado" por amor à virtude. Fizeram isso apenas para ganhar mais dinheiro. O que, por sinal, não nega nada do que foi dito até aqui. Nada. O que se escreveu na Parte I deste artigo é verdadeiro. Mas o que vem agora, na Parte II, também é.

Voltemos então ao tema da metáfora, conforme prometido. De onde ela nasceu, todos sabemos. A separação entre Igreja e Estado, na construção da democracia, salvou vidas e instaurou o regime de liberdade religiosa. Graças a Deus, podemos dizer, nós vivemos em regimes democráticos que separaram Igreja de Estado. Graças ao filósofo inglês John Locke (1632-1704) e outros tantos, o Estado se tornou laico e, por ser laico, assegurou o direito de cada cidadão eleger livremente sua própria fé. A liberdade religiosa só existe porque o Estado é laico. Desde que a sociedade ganhou essa clareza, igrejas e estados – na democracia, bem entendido – existem em terrenos distintos. E foi exatamente desses terrenos diferentes que surgiu a comparação com o lado editorial e o lado comercial da empresa jornalística.

Como dizíamos, a metáfora nos trouxe um problema. Um problema de excesso de moralismo. Um problema que "não é nada bom para a nossa matéria", como se ouvia em certas madrugadas na redação daquela revista semanal. Quando chamamos um departamento de "Igreja" e outro de "Estado", por menos que acalentemos uma sanha acusatória, fica no ar a impressão de que, no lado da "Igreja", supomos não haver pecados e, do lado do "Estado", não existiria chance alguma de salvação.

É claro, é evidente, é clamoroso que o mundo não é assim. Não é preciso ter notícias de nenhum escândalo de pedofilia praticada dentro dos domínios regulares do Vaticano para saber que o mundo não é assim. Os jornalistas da "Igreja" não eram exatamente santos. Desde os tempos do grandioso World de Joseph Pulitzer, gostavam mesmo é de mundo cão. Esgueiravam-se como ratos no meio do lixo para criar as bases do que depois entraria para a história como o "yellow journalism" ("jornalismo marrom"). Nos órgãos de imprensa, a "Igreja" nunca foi, jamais, uma sacristia de castos. Quanto ao "Estado", de sua parte, até que tinha alguma compostura, aqui e ali.

Não obstante, a gente viu, em mais de uma ocasião, um subeditor obscuro caminhando rumo à lanchonete com ares de cardeal, levantando o nariz para diretores de publicidade, essa "escória". Por essas e outras, a analogia de "Igreja/Estado" gerou, na cultura do mercado editorial, uma considerável antipatia – muitas vezes, justificada.

O que não importa muito (só um pouquinho). O método "Igreja/Estado" não surgiu para angariar simpatia, assim como não surgiu com propósitos de catequese. Ele não foi inventado para aplacar incômodos matutinos de consciências acabrunhadas. Nada disso. Ele só virou o padrão que virou porque dá lucro. Ele gera riqueza, ele funciona, apenas isso. As empresas que o adotaram alcançaram mais sucesso que as outras.

Esse dado é indispensável para que se possa desarmar a interpretação moralista, que introduz uma esquizofrenia autofágica na vida das empresas. Ninguém teria de ser gênio para saber que a lógica que conduziu à separação da empresa em duas áreas, a comercial e a editorial, tem seu alicerce numa racionalidade administrativa elementar. É apenas uma questão de foco. Um repórter preocupado em vender anúncio perde a clareza sobre o seu próprio papel, não vai vender anúncio nenhum, sem contar o fato de que vai poluir e rebaixar os padrões do protocolo pelo qual as estruturas eficientes vendem espaços publicitários. Do mesmo modo, um contato publicitário querendo interferir na condução de uma reportagem só faz ruído na redação. Falando francamente, pouca coisa aborrece mais um jornalista.

Foi por fome de dinheiro – e não por um surto inexplicável de caridade – que os bons empresários aprenderam o método Igreja/Estado. E ele dá certo porque traz dinheiro. A redação trabalha melhor, a área comercial corre mais solta, a vida flui com mais clareza e muito, muito mais eficiência. A escala do negócio cresce. A confiança do público se institucionaliza em credibilidade, e esta reverte em ganhos. Foi assim que surgiram os grandes impérios da imprensa. Foi exatamente assim, por mais que esses impérios tenham, em sua formação, capítulos de vício, de corrupção e de baixeza.

PARTE III
Ética de imprensa e lucro não são contraditórios

É bem o contrário: sem ética na imprensa, o lucro é curto. Como já se afirmou por vezes incontáveis – e ainda terá de ser reafirmado, por muitas mais – a ética da imprensa é parte constitutiva da saúde do negócio. Um empreendimento que vai bem não é necessariamente vicioso (às vezes é, mas não tenhamos isso como regra); jornalismo rigoroso, que não faz concessão e que não trai nem nas vírgulas a confiança que recebe do público, não é fonte de prejuízo, não é inimigo da prosperidade. Uma redação de brio, numa boa empresa, é a melhor receita de bons faturamentos. Os empresários mais preparados logo aprenderam a desconfiar do pessoal do "Estado" que reclama em demasia da inflexibilidade do pessoal da "Igreja", assim como aprenderam a se acautelar com editores que se esmeram em mostrar proficiência lingüística no jargão do "ibítida".

A virtude na empresa jornalística corresponde ao interesse público, por certo. Mas isso não significa que ela seja inimiga de rentabilidade. Normalmente, ela remunera o capital. Nas empresas públicas – uma BBC, entre outras poucas –, a virtude gera valor na percepção do público. Dá retorno. A visão do método "Igreja/Estado" como um campo de batalha, com duas falanges conflagradas, foi – e é – um dos equívocos mais melancólicos que já se cometeu – e se comete – no mercado editorial. É como se a "Igreja" só tivesse que ser tolerada porque serve para maquiar a empresa com uma aparência de isenção, nada mais que isso. É como se o "Estado" fosse o único adulto da brincadeira, como se só ele abrigasse as boas práticas que geram receita.

Com isso, o próprio conceito de Ética Jornalística se viu escanteado. A ética, na história da imprensa, existe para proteger a credibilidade. Pode-se resumir a ética, sem perda alguma, nessa única frase. Sem outros complementos. Tudo o que concerne à ética jornalística diz respeito à proteção da credibilidade do discurso jornalístico. E credibilidade, não custa repetir, tem imenso valor de mercado. É o cerne do valor em jornalismo. Fixemos bem esse ponto. A credibilidade – ou a reputação, como se diz, com mais frequência, na era digital – é o valor em torno do qual os demais se articulam. É para ela, credibilidade (ou reputação), que concorrem todos os serviços prestados ao público em matéria de informação jornalística. A excelência constrói e reconstrói a credibilidade e ela, credibilidade, depois, propulsiona o alcance social da excelência.

É verdade que o mesmo raciocínio vale para qualquer negócio, ao menos em tese. Mas aqui existe uma diferença mortal. A credibilidade, no jornalismo, depende da independência: a redação não pode ser – nem pode parecer que é – subserviente ao poder que cabe ao jornalismo investigar: o poder político ou o poder econômico, tanto faz. Isso porque a imprensa, que se estabeleceu nas democracias como um negócio independente, é também uma instituição da democracia. Antes de ser negócio, ela é instituição. Mais que negócio, é instituição. Ela é uma instituição que só vive se for independente, tanto do poder político quanto do poder econômico.

Aí é que entra, agora em outro nível, a compreensão das razões históricas que concorreram para que se erigisse esse método conhecido como "Igreja/Estado": ele tem a função de proteger a independência editorial das pressões que ela pode sofrer de agentes que se encontram no interior da própria empresa jornalística. Exatamente por isso, aliás, a visão moralista e moralizante desse método encontrou terreno fértil: de fato existem, no interior de qualquer empresa jornalística, interesses que entram em conflito (o do leitor e o do anunciante, por exemplo). Esses interesses estão lá o tempo todo. Para quem insiste em ver as tensões sempre como uma polarização entre bem e mal, o bem e o mal lá estão, atuando 24 horas por dia. Por isso, enfim, é que a visão moralizante encontrou um terreno fértil no interior das empresas.

Por sua vez, esses interesses que entram em conflito dentro das organizações se enraízam em forças externas, que se estruturam fora das organizações. Esses feixes de interesse vêm, naturalmente, de fora para dentro. Não há como barrar o ingresso dos interesses numa corporação, seja ela pública ou privada, tenha ela fins lucrativos ou não. Pretender envolver a empresa de mídia com uma blindagem anticonflito de interesses é uma forma de neurose, ainda que bastante recorrente. Órgãos de imprensa têm paredes porosas – ou não são imprensa. A elas chegam e devem chegar todos os tipos de contradições que vicejam na sociedade. O que é possível fazer é administrar os conflitos, para que eles tenham vias regulares de solução, para que eles não se dêem sem que o público (o cliente) se dê conta, ou seja, para que eles não ocorram às escondidas do público e não venham, com o tempo, a matar de hemorragia a confiança do público. E, não custa insistir: esses conflitos não são duelos do vício contra a virtude, mas disputas entre interesses distintos, muitas vezes legítimos.

Pois então: a melhor forma de administrá-los é pelo método "Igreja/Estado".

PARTE IV
Lado a lado com o outro lado

Mas esse método, hoje, admite variações. Bem mais do que admitia antigamente. Pode-se separar a área comercial da área editorial de mil maneiras, assim como se pode fazer com que elas se aproximem de mil maneiras também, conforme o tipo de negócio e conforme o nível hierárquico (afinal de contas, na hierarquia organizacional, as duas funções precisam "fechar" em algum comando, que fará, simultaneamente, as vezes de "Papa" e de "Presidente"). Na Parte V deste artigo, logo adiante, falaremos um pouco mais sobre isso. Antes, convém recuperar o que um dos principais estudos recentes sobre a realidade das redações nos Estados Unidos tem a dizer sobre a atualidade das relações entre a "Igreja" e o "Estado".

Na edição de 2007 de Elements of Journalism (New York: Three Rivers Press – Crown Publishing Group, Random House), Bill Kovach e Tom Rosenstiel alertam para que a convivência difícil entre "Igreja" e "Estado" nos tempos que correm poderia ser, por assim dizer, "civilizada". Eles não insinuam, nem de longe, que o compromisso com o interesse público deva ser relativizado. Sustentam que o jornalismo crítico e independente não pode permitir que interesses comerciais poluam a relação de confiança entre a redação e o público. Coerentemente, defendem que os valores do jornalismo independente, e somente eles, é que devem nortear a conduta de todas as áreas da organização. Ainda que as equipes comerciais e editoriais não se misturem no dia a dia, tanto uma como outra deveriam se pautar pelos mesmos princípios. Os critérios que devem decidir os impasses são critérios editoriais, não critérios de negócios.

Ora, mas isso não passa de tautologia, dirá alguém. Em princípio, é verdade, parece mesmo uma tautologia, conveniente para quem quer escapar ao debate. Afinal de contas, se o negócio das empresas de jornalismo (que têm, entre outros, veículos jornalísticos) é o negócio de bem informar o público, o melhor critério para o negócio só pode ser mesmo o critério editorial – e o melhor critério para o editorial só pode ser a saúde do negócio, em bases de integridade e credibilidade, naturalmente. Portanto, o critério editorial é igual ao critério de negócio. Nada mais tautológico. Mas há sabedoria na formulação de Kovach e Rosenstiel. Basta lê-la com mais atenção.

Ela ensina que a atividade jornalística não alcança a excelência se não deixar claro, bem no alto da escala de valores, a quem é que aquela empresa presta serviços. Aí é que está: ou ela bem trabalha para o leitor (internauta, telepectador, ouvinte etc), ou trabalha para o anunciante, ou, ainda, para seus donos ou financiadores (um banco que não quer aparecer, um agente do governo ou até mesmo uma igreja, aí em sentido literal). Se trabalha para o leitor, e sabe disso, a empresa deixa bem claros e públicos os parâmetros que ela segue. Nesse caso, está jogando limpo. Se, de outro lado, admite colaborar com os interesses do anunciante – sem deixar claros esses procedimentos para o público –, está tapeando seu cliente principal.

Por isso, nos dias que correm, dizer que os critérios do negócio, numa empresa jornalística, devem se subordinar aos critérios editoriais, não é apenas uma tautologia. A saúde de todo veículo dedicado a informar o público dependerá desse jogo limpo: o cliente (o que paga pela informação) precisa ter a segurança de que os conteúdos foram preparados segundo os seus interesses, não segundo ambições estranhas que não se deixam ver claramente. Sem isso, o vínculo de confiança tende a se deteriorar.

Enfim, os formatos e os protocolos das relações entre "Igreja" e "Estado" podem variar bastante, podem ser mais distantes em níveis hierárquicos mais baixos, podem ser mais próximas em outros níveis, mas, de algum modo, haverá sempre alguma separação entre as duas áreas. Se não, das duas, uma: ou o sucesso virá em doses tímidas, e por pouco tempo, ou o negócio de que estamos falando não é exatamente jornalismo.

No final do século passado, o diário Los Angeles Times anunciou que derrubaria o muro que separava a "Igreja" do "Estado", o que suscitou um bom debate. A partir daí, profissionais da área de marketing ganharam ingresso nas editorias para sugerir assuntos de pauta, numa drástica mudança de cultura. Depois disso, muitos solavancos se seguiram, entre eles os solavancos econômicos que alcançaram quase todos os jornais nos Estados Unidos. O ponto aqui não é fazer a análise das crises sucessivas que vieram. Só o que interessa é registrar que, lá pelas tantas, um grande jornal americano julgou que tinha que por o muro abaixo. E pôs. Por um tempo, mas pôs. Depois viriam trocas de direção no jornal e essas relações se "normalizariam" outra vez, mas em outras bases, numa sequência de reformas que não vêm ao caso.

A atitude heterodoxa do diário californiano indicava uma crise no modelo. Uma crise real. A necessidade de revê-lo, de reestudá-lo, de entender de que modo ele (ainda) dá certo, e em que condições, estava escancaradamente posta. E continuou em pauta. Hoje, nos Estados Unidos, o debate a respeito é no mínimo acalorado. Ou mesmo ensandecido. Para certos observadores, o quadro é tão desalentador que poderia matar de desgosto. "Se Herny Luce estivesse vivo até hoje, ele morreria", escreveu John Brady, professor de jornalismo da Universidade de Ohio. "Nos ‘United States of Amarketing’, as revistas deixam as redações abertas para a propaganda sem a menor cerimônia" ("Church and State").

PARTE V
O baião de dois da "Igreja" com o "Estado"
(ou seria uma briga e alguém precisa apartar?)

No Brasil, "Igreja" e "Estado" também não têm vivido harmoniosamente. Ultimamente, andam querendo discutir a relação.

No dia 14 de setembro, no Congresso da ANER (Associação Nacional dos Editores de Revistas), um debate serviu de termômetro. Não se pode dizer que a conversa pegou fogo, mas quase. A mesa contou com a presença de quatro profissionais de larga experiência: Edgardo Martolio, CEO da Editora Caras, Ricardo Gandour, diretor de conteúdo do Grupo Estado, Nelson Blecher, diretor de redação da Época Negócios, da Editora Globo, e José Bello, diretor de publicidade da Editora Três. Alguns trechos do debate iluminaram o estágio discussão. A mesa também foi bastante rica em apontar algumas das inúmeras variações que o modelo passou a admitir entre nós.

Edgardo Martolio afirmou com franqueza e objetividade que o modelo clássico "Igreja/Estado" não serve mais para todas as publicações. Segundo ele, devemos pensar em três tipos de revistas. As primeiras são as semanais de informação. A essas, segundo ele, cabe investigar e fiscalizar o poder e nelas, portanto, a separação entre a área editorial e a área comercial é indispensável. Ele mesmo define, em e-mail enviado a este articulista:

As semanais de informação, ou as quinzenais jornalísticas, são "revistas críticas, jornalismo de informação dura e opinião decisiva, fria, austera, sem adjetivação; sem chance de aceitar nada que possa colocar baixo suspeita sua credibilidade."

No segundo tipo ele classifica as "revistas de serviços, como moda, decoração, automóveis, negócios, que eu chamo de ‘marqueiras’ porque o potencial anunciante é parte de seu conteúdo ou, dito de outro modo, as marcas são seu conteúdo." Por fim, o terceiro tipo reúne "as revistas de entretenimento". Exemplo? As revistas de celebridade que são a grande mania da temporada. "Para mim", diz Martolio, "nessas se pode ter intromissão da ‘Igreja’ no ‘Estado’, mas também e ainda aqui é analisar o caso a caso, pois tudo precisa de certo equilíbrio, dose, lógica."

Durante o debate, ele foi contundente em afirmar que estas, do terceiro grupo, não fazem jornalismo, mas entretenimento. Levemos em conta que, hoje, esse ponto de vista exerce profunda influência no mercado editorial. Algumas revistas de celebridades chegam a fazer merchandising em suas páginas. O formato desse merchandising é conhecido: reúnem-se os famosos em um ambiente produzido pela própria revista e então exibem-se mercadorias e grifes que, sem dúvida, pagaram para aparecer dentro do que seriam, em termos convencionais, as páginas editoriais. Todos hão de concordar que, numa revista semanal de informação, a adoção de merchandising seria um barbarismo suicida. Mas, em revistas que se definem como veículos de entretenimento, o merchandising não seria um deslize, não comprometeria a credibilidade. Naturalmente, o merchandising só é possível se a publicidade interferir nas pautas e no ângulo das fotografias publicadas. Portanto, adeus à separação entre "Igreja" e "Estado". Além disso, a separação entre páginas publicitárias e páginas editoriais, cláusula pétrea na convivência clássica entre "Igreja" e "Estado", vai pelo ralo. Nessa modalidade de merchandising, a propaganda está ali, no meio da "notícia".

Para Martolio, o estatuto a reger esse tipo de relação entre o editorial e os anunciantes é exatamente análogo àquele adotado nas telenovelas e nos filmes de ficção. Fica, porém, uma pergunta capital: o leitor sabe disso? Ele sabe que os produtos manuseados pelos seus ídolos nas "reportagens fotográficas" não estão ali porque a celebridade realmente gosta deles, mas porque pagaram pela exposição? E, mais importante: o leitor concorda com esse expediente comercial?

Bem, se ele sabe ou não, não sabemos. A dúvida ainda persistirá. Mas – e isso é indiscutível – o pacto que as revistas de celebridade propõem ao leitor não é um pacto de fiscalizar o poder, mas o de colocá-lo, a ele, leitor, mais próximo das atrizes, manequins e galãs que ele gosta de ver. Disso, o leitor sabe muito bem. Ele quer ter isso – e o resto não lhe parece ser demasiadamente relevante. Essa é a promessa que ele recebe – e essa promessa é cumprida. Nesse sentido, a "cobertura" que essas revistas entregam a ele é o registro de uma espécie de programa de auditório expandido. Elas não realizam reportagens a respeito dos fatos postos no vasto mundo; elas apenas organizam e montam as cenas, cenas produzidas no pequeno mundo de seu espetáculo particular, e depois divulgam essas cenas em suas páginas. Em suma, esse pacto com o leitor é respeitado. Mas, outra vez, é o caso de perguntar: isso será claro para todos os envolvidos? Será, aliás, que isso é claro para os jornalistas que lá trabalham e se veem como jornalistas, não como entertainers? Leitores e jornalistas sabem o jogo que são convidados a jogar?

O interessante, ou, dependendo do ponto de vista, o embaraçoso é que, se formos embarcar nessa lógica, outras complicações logo vão aparecer. Como definir com segurança onde termina o jornalismo e onde começa o "entretenimento"? É possível enxergar a fronteira? Jornais diários publicam quadrinhos e horóscopo, além de contos, eventualmente: eles então fazem entretenimento? Se fazem, por que preservar, neles, a fronteira entre "Igreja" e "Estado"?

Sim, essa pergunta é fácil; o peso do entretenimento nos diários impressos é mínimo. Mas não percamos de vista que sempre há elementos estéticos e até recursos ficcionais nos órgãos jornalísticos. Não há como pensar no jornalismo puríssimo ou no entretenimento puríssimo. Entre o jornal sisudo e as revistas de celebridades, surgem os casos menos óbvios – e mais desafiadores.

O que dizer das coberturas esportivas na televisão, como os campeonatos de futebol, a Fórmula 1 ou a Fórmula Indy? Para transmitir uma Copa do Mundo, a emissora compra os direitos. Por meio dessa contratação, ela se associa aos promotores do evento, virando parte interessada do êxito comercial desse evento. Ela não vai cobri-lo com a típica voracidade de jornalismo investigativo, tanto que não costuma informar aos telespectadores nem mesmo o valor pago pelos direitos de transmissão. Por essas e outras, na televisão, o esporte é um híbrido: é jornalismo, em parte, mas também é entretenimento. Nesse campo (de futebol), as fronteiras entre o jornalismo e a publicidade são bem mais sinuosas do que eram nos tempos da Time de Henry Luce. Os anúncios invadem o gramado, seja pelos tablados nas laterais, seja nas inserções eletrônicas, feitas na base de computação gráfica. Temos aí, também, outro tipo de mescla entre jornalismo e promoção de eventos, cujas linhas divisórias se apagam com facilidade. Onde está a "Igreja" e onde está o "Estado" quando "abrem-se as cortinas e começa o espetáculo"?

PARTE VI
O que ainda está por vir

Em meio a heterodoxias, reviravoltas e volteios, não há receita definitiva para disciplinar essa matéria. Antes de falarmos em princípios – e eles são fundamentais – observemos um dado curioso, que revela algo sobre o modo de trabalho, sobre a operação das publicações mais ou menos jornalísticas. A despeito de tantas variações, mesmo no mundo das celebridades ou na transmissão de eventos esportivos pelo rádio e pela televisão, preserva-se, em algum nível, uma separação operacional entre duas alas. O comercial se ocupa da prestação de serviços ao anunciante, enquanto o editorial se dedica a manter satisfeito o destinatário do conteúdo editorial (seja ele mais próximo do entretenimento ou mais próximo do jornalismo). Até aí, até mesmo onde a ideia de separação entre "Igreja" e "Estado" soa como um discurso fundamentalista, até mesmo aí existe uma separação na rotina de trabalho. Um mínimo de separação de método existe.

Também é certo que as redações não são iguais. Há níveis diferentes para as distâncias e as proximidades entre o que é editorial e o que é comercial. As publicações de empresas aéreas, ou as revistas customizadas, isso para ficarmos apenas com duas das espécies que hoje convivem dentro da Aner, não têm nem podem ter um método formalmente idêntico ao das semanais, que também são filiadas à ANER.

Talvez, no futuro, os diferentes pactos que hoje se desenham entre os públicos, cada vez mais múltiplos, e os veículos informativos, cada vez mais diversos, requeiram éticas específicas. É provável, porém, que todos os veículos venham a ser instados a prestar contas sobre as regras que adotam para separar – ou juntar – informação e propaganda. É uma questão de jogo limpo com o leitor.

Talvez isso venha a afetar, também, os contornos do conceito que temos hoje de jornalismo – e aqui chegamos ao plano dos princípios. Vivemos um momento, sobretudo no Brasil, em que o jornalismo independente precisa clarear seus contornos, separando-se de outras áreas da comunicação. Nesse processo, seria uma boa notícia se essa palavra, jornalismo, deixasse de designar de forma tão indiscriminada todo tipo de relato que se pretenda factual. Isso inclui a independência editorial. Assim, onde houver jornalismo independente, a "Igreja" estará sempre lá, com sua liturgia característica. Em algum lugar, lá estará o "Estado", com as leis que o definem. Separados, mas em boa convivência.

Como disse Nelson Blecher, da Editora Globo, na abertura da mesa da ANER, em setembro: "A propaganda comercial é a fiadora da independência editorial". Ricardo Gandour, de O Estado de S. Paulo, aprofundou o mesmo ponto de vista, mostrando que o anunciante que tem visão de futuro não quer um elogio na matéria que vai ser publicada amanhã: acima disso, ele entende que o fundamental é apoiar e dar sustentação, econômica e política, à imprensa independente, pois dessa relação de confiança ele, anunciante, é beneficiário direto quando se trata de comunicar a seriedade de seus produtos e serviços. Imprensa independente só é possível com redações independentes. Às vezes, independente até mesmo da empresa em que está instalada. O público acredita nisso. Valoriza isso. Que os dirigentes da mídia saibam respeitar seus públicos – e suas redações.

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domingo, 19 de dezembro de 2010

O mundo depois de Julian Assange

O presidente Lula e o primeiro-ministro Putin tiveram o mesmo discurso, ontem, em defesa de Julian Assange, embora com argumentos diferentes. Lula foi ao ponto: Assange está apenas usando do velho direito da liberdade de imprensa, de informação. Não cabe acusá- lo de causar danos à maior potência da História, uma vez que divulga documentos cuja autenticidade não está sendo contestada. Todos sabem que as acusações de má conduta em relacionamento consentido com duas mulheres de origem cubana, na Suécia, são apenas um pretexto para imobilizá-lo, a fim de que outras acusações venham a ser montadas, e ele possa ser extraditado para os Estados Unidos.

O que cabe analisar são as consequências políticas da divulgação dos segredos da diplomacia ianque, alguns deles risíveis, outros extremamente graves. Ontem, em Bruxelas, o chanceler russo Sergei Lavrov comentava revelações do WikiLeaks sobre as atitudes da Otan com relação ao seu país: enquanto a organização, sob o domínio de Washington, convidava a Rússia a participar da aliança, atualizava seus planos de ação militar contra o Kremlin, na presumida defesa da Polônia e dos países bálticos. Lavrov indagou da Otan qual é a sua posição real, já que o que ela publicamente assume é o contrário do que dizem seus documentos secretos. Moscou foi além, ao propor o nome de Assange como candidato ao próximo Prêmio Nobel da Paz.
O exame da história mostra que todas as vezes que os suportes da palavra escrita mudaram, houve correspondente revolução social e política. Sem Gutenberg não teria havido o Renascimento; sem a multiplicação dos prelos, na França dos Luíses, seria impensável o Iluminismo e sua consequência política imediata, a Revolução Francesa.
Todos os que sabem escrever e manipular um computador são cidadãos, que são mais que jornalistas
A constatação do imenso poder dos papéis impressos levou a Assembleia Constituinte aprovar o artigo XI da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, logo no início da Revolução, em agosto de 1789. O dispositivo do núcleo pétreo da Constituição determina que todo cidadão tem o direito de falar, escrever e imprimir com toda liberdade. As leis punem os que, mentindo, atingem a honra alheia. A liberdade de imprensa, sendo dos cidadãos, é da sociedade. Das sociedades nacionais e, em nossa época de comunicações eletrônicas e livres, da sociedade planetária dos homens.
É surpreendente que, diante dessa realidade irrefutável, jornalistas de ofício queiram reivindicar a liberdade de imprensa (vocábulo que abarca, do ponto de vista político, todos os meios de comunicação) como monopólio corporativo. A internet confirma a intenção dos legisladores franceses de há 221 anos: a liberdade de expressão é de todos, e todos nós somos jornalistas. Basta ter um endereço eletrônico. As pesadas e, relativamente caras, máquinas gráficas do passado são hoje leves e baratíssimos note-books, e de alcance universal.
É sempre citável a observação de Isidoro de Sevilha, sábio que marcou o sétimo século, a de que “Roma não era tão forte assim”. Bradley Manning e Julian Assange estão mostrando que Washington – cujo medo é transparente em seus papéis diplomáticos – não é tão poderosa assim. É interessante registrar que o nome de Santo Isidoro de Sevilha está sendo sugerido, por blogueiros católicos, como o padroeiro da internet.
Os jornalistas devem acostumar- se à ideia de renunciar a seus presumidos privilégios. Todos os que sabem escrever e manipular um computador são cidadãos, e ser cidadão é muito mais do que ser jornalista. São esses cidadãos que, na mesma linha de Putin e Lula, se mobilizam, na ágora virtual, para defender Assange, da mesma forma que se mobilizaram em defesa da mulher condenada à morte por adultério. O mundo mudou, mas nem todos perceberam essa mudança.
Mauro Santayana


Original: http://contextolivre.blogspot.com

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Não matem o mensageiro por revelar verdades incomodas

por Julian Assange [*]

WIKILEAKS merece protecção, não ameaças e ataques.

Em 1958 o jovem Rupert Murdoch, então proprietário e editor do jornal The News, de Adelaide, escreveu: "Na corrida entre o segredo e a verdade, parece inevitável que a venda sempre vença".

A sua observação talvez reflicta o desmascaramento feito pelo seu pai, Keith Murdoch, de que tropas australianas estavam a ser sacrificadas inutilmente nas praias de Galipoli por comandantes britânicos incompetentes. Os britânicos tentaram calá-lo mas Keith Murdoch não foi silenciado e os seus esforços levaram ao término da desastrosa campanha de Galipoli.

Aproximadamente um século depois, WikiLeaks está também a publicar destemidamente factos que precisam ser tornados públicos.

Criei-me numa cidade rural em Queensland onde as pessoas falavam dos seus pensamentos directamente. Elas desconfiavam do governo como de algo que podia ser corrompido se não fosse vigiado cuidadosamente. Os dias negros de corrupção no governo de Queensland antes do inquérito Fitzgerald testemunham do que acontece quando políticos amordaçam os media que informam a verdade.

Estas coisas ficaram em mim. WikiLeaks foi criado em torno destes valores centrais. A ideia, concebida na Austrália, era utilizar tecnologias da Internet de novas maneiras a fim de relatar a verdade.

WikiLeaks cunhou um novo tipo de jornalismo: jornalismo científico. Trabalhamos com outros media para levar notícias às pessoas, assim como para provar que são verdadeiras. O jornalismo científico permite-lhe ler um artigo e então clicar online para ver o documento original em que se baseia. Esse é o modo como pode julgar por si próprio: Será verdadeiro este artigo? Será que o jornalista informou com rigor?

Sociedades democráticas precisam de meios de comunicação fortes e WikiLeaks faz parte desses media. Os media ajudam a manter o governo honesto. WikiLeaks revelou algumas verdades duras acerca das guerras do Iraque e Afeganistão, e desvendou notícias acerca da corrupção corporativa.

Há quem diga que sou anti-guerra: para que conste, não sou. Por vezes os países precisam ir à guerra e há guerras justas. Mas não há nada mais errado do que um governo mentir ao seu povo acerca daquelas guerras, pedindo então a estes mesmos cidadãos para porem as suas vidas e os seus impostos ao serviço daquelas mentiras. Se uma guerra é justificada, então digam a verdade e o povo decidirá se a apoia.

Se já leu algum dos registos da guerra do Afeganistão ou do Iraque, algum dos telegramas da embaixada dos EUA ou algumas das histórias acerca das coisas que WikiLeaks informou, considere quão importante é para todos os media ter capacidade para relatar estas coisas livremente.

WikLeaks não é o único divulgador dos telegramas de embaixadas dos EUA. Outros media, incluindo The Guardian britânico, The New York Times, El Pais na Espanha e Der Spiegel na Alemanha publicaram os mesmos telegramas.

Mas é o WikiLeaks, como coordenador destes outros grupos, que tem enfrentado os ataques e acusações mais brutais do governo dos EUA e dos seus acólitos. Fui acusado de traição, embora eu seja australiano e não cidadão dos EUA. Houve dúzias de apelos graves nos EUA para eu ser "removido" pelas forças especiais estado-unidenses. Sarah Palin diz que eu deveria ser "perseguido e capturado como Osama bin Laden", um projecto de republicano no Senado dos EUA procura declarar-me uma "ameaça transnacional" e desfazer-se de mim em conformidade. Um conselheiro do gabinete do primeiro-ministro do Canadá apelou na televisão nacional ao meu assassinato. Um bloguista americano apelou a que o meu filho de 20 anos, aqui na Austrália, fosse sequestrado e espancado por nenhuma outra razão senão a de atingir-me.

E os australianos deveriam observar com nenhum orgulho o deplorável estímulo a estes sentimentos por parte de Julia Gillard e seu governo. Os poderes do governo australiano parecem estar à plena disposição dos EUA quer para cancelar meu passaporte australiano ou espionar ou perseguir apoiantes do WikiLeaks. O procurador-geral australiano está a fazer tudo o que pode para ajudar uma investigação estado-unidense destinada claramente a enquadrar cidadãos australianos e despachá-los para os EUA.

O primeiro-ministro Gillard e a secretária de Estado Hillary Clinton não tiveram uma palavra de crítica para com as outras organizações de media. Isto acontece porque The Guardian, The New York Times e Der Spiegel são antigos e grandes, ao passo que WikiLeaks ainda é jovem e pequeno.

Nós somos os perdedores. O governo Gillard está a tentar matar o mensageiro porque não quer que a verdade seja revelada, incluindo informação acerca do seu próprio comportamento diplomático e político.

Terá havido alguma resposta do governo australiano às numerosas ameaças públicas de violência contra mim e outros colaboradores do WîkLeaks? Alguém poderia pensar que um primeiro-ministro australiano defendesse os seus cidadãos contra tais coisas, mas houve apenas afirmações de ilegalidade completamente não fundamentadas. O primeiro-ministro e especialmente o procurador-geral pretendem cumprir seus deveres com dignidade e acima da perturbação. Fique tranquilo, aqueles dois pretendem salvar as suas próprias peles. Eles não conseguirão.

Todas as vezes que WikiLeaks publica a verdade acerca de abusos cometidos por agências dos EUA, políticos australianos cantam um coro comprovadamente falso com o Departamento de Estado: "Você arriscará vidas! Segurança nacional! Você põe tropas em perigo!" Mas a seguir dizem que não há nada de importante no que WikiLeaks publica. Não pode ser ambas as coisas, uma ou outra. Qual é?

Nenhuma delas. WikiLeaks tem um historial de publicação quatro anos. Durante esse tempo mudámos governos, mas nem uma única pessoa, que se saiba, foi prejudicada. Mas os EUA, com a conivência do governo australiano, mataram milhares de pessoas só nestes últimos meses.

O secretário da Defesa dos EUA, Robert Gates, admitiu numa carta ao congresso estado-unidense que nenhumas fontes de inteligência ou métodos sensíveis haviam sido comprometidos pela revelação dos registos de guerra afegãos. O Pentágono declarou que não havia evidência de que as informações do WikiLeaks tivessem levado qualquer pessoa a ser prejudicada no Afeganistão. A NATO em Cabul disse à CNN que não podia encontrar uma única pessoa que precisasse de proteger. O Departamento da Defesa australiano disse o mesmo. Nenhuma tropa ou fonte australiana foi prejudicada por qualquer coisa que tivéssemos publicado.

Mas as nossas publicações estavam longe de serem não importantes. Os telegramas diplomáticos dos EUA revelam alguns factos estarrecedores:

Os EUA pediram aos seus diplomatas para roubar material humano pessoal e informação de responsáveis da ONU e de grupos de direitos humanos, incluindo DNA, impressões digitais, escanerização de íris, números de cartão de crédito, passwords de Internet e fotos de identificação, violando tratados internacionais. Presumivelmente, diplomatas australianos na ONU também podem ser atacados.


O rei Abdula da Arábia Saudita pediu que os EUA atacassem o Irão.


Responsáveis na Jordânia e no Bahrain querem que o programa nuclear do Irão seja travado por quaisquer meios disponíveis.


O inquérito do Iraque na Grã-Bretanha foi viciado para proteger "US interests".


A Suécia é um membro encoberto da NATO e a partilha da inteligência dos EUA é resguardada do parlamento.


Os EUA estão a agir de forma agressiva para conseguir que outros países recebam detidos libertados da Baia de Guantanamo. Barack Obama só concordou em encontrar-se com o presidente esloveno se a Eslovénia recebesse um prisioneiro. Ao nosso vizinho do Pacífico, Kiribati, foram oferecidos milhões de dólares para aceitar detidos.
Na sua memorável decisão no caso dos Pentagon Papers, o Supremo Tribunal dos EUA declarou: "só uma imprensa livre e sem restrições pode efectivamente revelar fraude no governo". Hoje, a tempestade vertiginosa em torno do WikiLeaks reforça a necessidade de defender o direito de todos os media revelarem a verdade.


08/Dezembro/2010

[*] Editor-chefe do WikiLeaks.

O original encontra-se em www.theaustralian.com.au/...

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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Julian Assange: Procurado pelo império, morto ou vivo!

As ondas hertzianas americanas vibram com os berros de assassinos vocais que uivam pela cabeça de Julian Assange. Jonah Goldberg, colaborador da National Review, pede na sua coluna publicada numa rede de jornais: "Por que Assange não foi estrangulado no seu quarto de hotel anos atrás?" Sarah Palin quer que seja perseguido e trazido à justiça, dizendo: "Ele é um operacional anti-americano com sangue nas suas mãos".




JULIAN ASSANGE



Assange pode sobreviver a estas ameaças teatrais. Uma questão mais difícil é como é que conseguirá arranjar-se nas mãos do governo estado-unidense, o qual está louco furioso. O procurador-geral, Eric Holder, anunciou que o Departamento da Justiça e o Pentágono conduzem "uma activa investigação criminal agora em curso" quanto à mais recente fuga de documentos publicados por Assange sob a Lei de Espionagem de Washington.

Perguntado sobre como os EUA podiam processar Assange, um cidadão não americano, Holder declarou: "Deixe-me ser claro. Isto não é preparação para combate" e prometeu "fechar rapidamente as lacunas na actual legislação dos EUA..."

Por outras palavras, o estatuto da espionagem está a ser reescrito para atingir Assange e a curto prazo, se não já, o presidente Obama – o qual como candidato pregou "transparência" no governo – assinará uma ordem dando sinal verde para a captura de Assange e o seu transporte para a jurisdição estado-unidense. Entregar primeiro, combater as acções de habeas corpus depois.

A Interpol, o braço investigatória do Tribunal Penal Internacional de Haia, emitiu uma nota fugaz para Assange. Ele é procurado na Suécia para investigação de dois alegados assaltos sexuais, um dos quais parece reduzir-se a uma acusação de sexo inseguro e deixar de telefonar ao seu par do dia seguinte.

Esta acusadora primária, Anna Ardin, contou Israel Shamir em CounterPunch, "tem ligações com grupos anti-Castro e anti-comunistas financiados pelos EUA. Ela publicou diatribes anti-Castro na publicação sueca Revista de Asignaturas Cubanas publicada por Misceláneas de Cuba… Note-se que Ardin foi deportada de Cuba por actividades subversivas".

Certamente não é conspiracionismo suspeitar que a CIA esteve a trabalhar para fomentar estas acusações suecas. Como informa Shamir: "No momento em que Julian pediu a protecção da lei sueca dos media, a CIA imediatamente ameaçou descontinuar a partilha de inteligência com o SEPO, o Serviço Secreto Sueco".

A CIA sem dúvida ponderou a possibilidade de empurrar Assange pela borda fora de uma ponte ou de uma janela alta (modo de assassinato preferido pela Agência nos últimos tempos) e concluiu tristemente que é demasiado tarde para esta espécie de solução executiva.

A ironia é que as milhares de comunicações diplomáticas divulgadas pelo WikiLeaks não contêm revelações que minem a segurança do império americano. O grosso delas simplesmente ilustra o facto bem conhecido de que em toda capital do mundo há um edifício conhecido como a Embaixada dos EUA, habitado por pessoas cuja função primária é avaliar as condições locais. Tais pessoas estão carregadas com a ignorância e os preconceitos transmitidos pela educação superior dos EUA – cujas elites governantes actuais são mais ignorantes daquilo que realmente acontece no mundo exterior do que em qualquer outra época da história do país.

As informações na imprensa oficial sugerem que fiquemos estupefactos com a notícia que o rei da Arábia Saudita deseja que o Irão seja varrido do mapa, que os EUA utilizam diplomatas como espiões, que o Afeganistão é corrupto e também que a corrupção não é desconhecida na Rússia! Estas notícias da imprensa promovem a ilusão de que as embaixadas dos EUA seriam habitadas por observadores inteligentes que enviam com entusiasmo informação utilizável aos seus superiores em Washington DC. Ao contrário, diplomatas – assumindo que tenham a mais ligeira capacidade para a observação e análise inteligente – aprendem longo a avançar suas carreiras enviando para Foggy Bottom [1] relatórios cuidadosamente sintonizados com os preconceitos da hierarquia do Departamento de Estado e da Casa Branca, dos membros poderosos do Congresso e dos actores principais das burocracias. Recordar que quando a União Soviética deslizava rumo à extinção, a Embaixada dos EUA em Moscovo mantinha-se teimosamente a fornecer relatos trémulos de um poderoso Império do Mal ainda a meditar acerca de uma invasão da Europa Ocidental!

Isto não significa subestimar a grande importância da última fornada do WikLeaks. Milhões na América e no mundo passaram a entender melhor as relações internacionais e as verdadeiras artes da diplomacia – não a prosa de terceira classe, de mexericos, com as quais após a aposentadoria os diplomatas tentam imitar os escritos dos clássicos romanos.

Anos atrás Rebecca West, no seu romance The Thinking Reed, acerca de um diplomata britânico, escrevia: "mesmo quando espreitava os seios no decote de uma mulher conseguia parecer que pensava acerca da Índia". Na versão actualizada, dadas as ordens de Hillary Clinton ao Departamento de Estado, o representante dos EUA, ao fingir admirar a figura de uma encantadora adida cultural francesa, estaria realmente a pensar em como roubar-lhe o número do seu cartão de crédito, conseguir um scan da sua retina, a password do seu email e o número de passageiro frequente na sua companhia de aviação.

Também há revelações genuínas de grande interesse, algumas delas longe de louváveis para imprensa "de referência" dos EUA. No CounterPunch da semana passada Gareth Porter identificou um telegrama diplomático de Fevereiro último divulgado pelo WikiLeaks que apresenta um relato pormenorizado de como especialistas russos no programa de mísseis balísticos iranianos refutaram a sugestão dos EUA de que o Irão dispõe de mísseis capazes de alvejar capitais europeias ou que pretende desenvolver tal capacidade. Porter destaca que:

"Os leitores dos dois principais jornais dos EUA nunca souberam aqueles factos chave acerca do documento. O New York Post e o Washington Post informaram apenas que os Estados Unidos acreditavam que o Irão havia adquirido tais mísseis – supostamente chamados BM-25 – à Coreia do Norte. Nenhum dos dois jornais informou a pormenorizada refutação russa do ponto de vista americano sobre a questão ou a falta de prova concreta dos BM-25 por parte dos EUA.

"The Times, que segundo o Washington Post de segunda-feira obteve os telegramas diplomáticos não do WikiLeaks mas sim do Guardian, não publicou o texto do telegrama. A notícia em The Times dizia que jornal tomara a decisão de não publicar 'a pedido da administração Obama'. Isso significa que os seus leitores não poderiam comparar a informação altamente distorcida do documento na notícia do Times com o documento original sem pesquisar o sítio web do WikiLeaks".

A aversão ao WikiLeaks na imprensa "oficial" dos EUA ficou bem patente já na primeira das duas grandes divulgações de documentos relativos às guerras no Iraque e no Afeganistão. O New York Times conseguiu o feito pouco elegante de publicar algumas das fugas enquanto simultaneamente afectava uma atitude arrogante e dava uma machadada maldosa em Assange escrita pelo seu repórter John F. Burns, homem com um registo brilhante de colaboração com várias agendas do governo estado-unidense.

Tem havido aplausos a Assange e ao WikiLeaks por parte de denunciantes famosos como Daniel Ellsberg [2] , mas alguém excitar-se com o que vê na televisão é escutar a espécie de fúria que Lord Haw-Haw [3] – também conhecido como o irlandês William Joyce, que fazia propaganda por rádio a partir de Berlim – costumava provocar na Grã-Bretanha durante a II Guerra Mundial. Como escreveu Glenn Greenwald na sua coluna no sítio Salon:

"Na CNN, Wolf Blitzer estava quase raivoso com o facto de o governo dos EUA ter fracassado em manter todas estas coisas secretas em relação a si... Então – como bom jornalista que é – Blitzer pedia garantias de que o governo havia tomado as medidas necessárias para impedir a ele, à generalidade dos media e aos cidadãos de descobrirem quaisquer outros segredos: 'Será que já sabemos se eles repararam aquilo? Por outras palavras, alguém neste exacto momento que tenha uma licença (clearance) top secret ou secret security já não pode mais descarregar informação para dentro de um CD ou uma pen drive? Será que isso já foi reparado?' A preocupação central de Blitzer – um dos 'jornalistas' mais homenageados do país – é assegurar que ninguém saiba o que o governo dos EUA está a tramar".

Os ficheiros mais recentes do WikiLeaks contem cerca de 261 milhões de palavras – cerca de 3000 livros. Elas mostram as entranhas do Império Americano. Como escreveu aqui Israel Shamir na semana passada: "Os ficheiros mostram a infiltração política dos EUA em praticamente todos os países, mesmo em estados supostamente neutros como a Suécia e a Suíça. As embaixadas dos EUA mantêm um olhar vigilante sobre os seus hospedeiros. Elas penetraram os media, os negócios, o petróleo, a inteligência e fazem lobby para por companhias estado-unidenses em primeiro plano".

Será que este registo vivo do envolvimento imperial no princípio do século XXI será logo esquecido? Não se algum escritor competente apresentar um texto claro e politicamente vivo. Mas uma advertência: em Novembro de 1979 estudantes iranianos capturaram um arquivo inteiro do Departamento de Estado, da CIA e da Defense Intelligence Agency (DIA) na embaixada americana em Teerão. Muitos documentos rasgados foram laboriosamente reconstituídos.

Estes segredos referiam-se a muito mais do que o Irão. A embaixada em Teerão servia como base regional da CIA, mantinha registos envolvendo operações secretas em muitos países, nomeadamente Israel, União Soviética, Turquia, Paquistão, Arábia Saudita, Kuwait, Iraque e Afeganistão.

A partir de 1982, os iranianos publicaram uns 60 volumes destes relatórios da CIA e de outros documentos do arquivo de Teerão do governo dos EUA, intitulados colectivamente Documentos do covil da espionagem estado-unidense (Documents From the US Espionage Den). Como escreveu anos atrás Edward Jay Epstein, historiador de agências de inteligência dos EUA: "Sem dúvida, estes registos capturados representam a mais vasta perda de dados secretos que alguma super-potência sofreu desde o fim da Segunda Guerra Mundial".

O arquivo de Teerão foi um golpe realmente devastador para a segurança nacional dos EUA. Ele continha retratos realistas de operações e técnicas de inteligência, a cumplicidade de jornalistas dos EUA com agências do governo estado-unidense, os meandros da diplomacia do petróleo. Os volumes estão em algumas universidades aqui. São lidos? Só por um punhado de especialistas. As verdades inconvenientes foram rapidamente enterradas – e talvez os ficheiros do WikiLeaks em breve também se desvaneçam da memória, juntando-se ao inspirador arquivo histórico de golpes de inteligência da esquerda.

Eu deveria homenagear aqui "Spies for Peace" – o grupo de acção directa de anarquistas britânicos e radicais afins associados à Campanha pelo Desarmamento Nuclear e ao Comité dos 100 de Bertrand Russell que em 1963 irrompeu dentro de um bunker secreto do governo, o Regional Seat of Government Number 6 (RSG-6) em Warren Row, próximo de Reading, onde fotografaram e copiaram documentos, mostrando preparativos secretos do governo para o domínio após uma guerra nuclear. Eles distribuíram à imprensa um panfleto juntamente com cópias de documentos relevantes, estigmatizando o "pequeno grupo de pessoas que havia aceite a guerra termonuclear como uma probabilidade e que estava conscienciosa e cuidadosamente a planear para ela. ... Elas estão tranquilamente à espera do dia em que as bombas caiam, pois será o dia em que tomarão o comando". Houve um grande alvoroço e então o governo conservador do momento emitiu uma D-notice [4] proibindo qualquer nova cobertura na imprensa. Os polícias e serviços de inteligência perseguiram arduamente e por muito tempo os espiões a favor da paz e nunca apanharam um.

E Assange? Esperançosamente ele terá um longo adiamento do seu enterro prematuro. O Equador ofereceu-lhe santuário até que a Embaixada dos EUA em Quito deu ao presidente uma ordem imediata e o convite foi cancelado. Suíça? Istambul? Hummm. Como se observou acima, ele deveria, pelo menos, encarar com cautela mulheres a convidá-lo ansiosamente para os seus braços e certamente permanecer longe de pontes, viadutos e janelas abertas.

Em 1953 a CIA distribuiu aos seus agentes e operacionais um manual de treino para assassinar (tornado público em 1997) cheio de conselhos práticos :

"O acidente mais eficiente, no assassínio simples, é uma queda de 75 pés [23 metros] ou mais sobre uma superfície dura. Poços de elevador, porões de escada, janelas abertas e pontes servirão... O acto pode ser executado repentinamente por [indivíduos] com tornozelos vigorosos, inclinando o sujeito sobre a borda. Se o assassínio provocar um alvoroço imediato, desempenhar o papel da 'testemunha horrorizada', não é preciso qualquer álibi ou retirada discreta".


[1] Foggy Bottom: bairro em Washington
[2] Ver Carta aberta de Daniel Ellsberg apelando ao boicote à Amazon . Resistir.info rompeu o seu acordo de parceria com a Amazon.fr.
[3] Lord Haw-Haw: alcunha de vários locutores do programa em inglês Germany Calling, da rádio nazi alemã destinada ao público da Grã-Bretanha e EUA. O programa principiou em 18/Setembro/1939 e perdurou até 20/Abril/1945. A alcunha refere-se mais concretamente a William Joyce, que era o locutor mais conhecido.
[4] D-Notice (ou DA-Notice): Na Grã-Bretanha é um pedido oficial a editores de notícias para não publicar dados sobre assuntos específicos, por razões de segurança nacional. O sistema foi instituído em 1912 e perdura até hoje.

[*] alexandercockburn@asis.com

O original encontra-se em http://www.counterpunch.org/cockburn12032010.html

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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Documentos sobre Honduras

Postado em 18/12/10

Já estão no ar os documentos sobre a reação brasileira ao golpe em Honduras, que mostram como o Brasil recorreu aos EUA quando Manuel Zelaya entrou na embaixada em Tegucigalpa. Mas eles revelam muito mais, inclusive sobre o foco do Itamaraty em outras regiões – vale dar uma olhada.

Os documentos estão no site, http://cartacapitalwikileaks.wordpress.com/

Wikileaks por Natalia Viana

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Bombou

Postado em 18/12/10

Uma notícia das boas sobre o lançamento do Cablegate em terras brasileiras: na primeira semana, entre 29 de novembro e 4 de dezembro, as visitas ao site WikiLeaks.org feitas a partir do Brasil subiram 9.900%. O Wiki passou da posição 164.217 na lista de sites mais visitados para 3.054 em uma semana.

A pequisa foi feita pelo Hitwise Brasil, um serviço da empresa de crédito Serasa Experian, que afirma deter o mais extenso banco de dados da América Latina sobre consumidores, empresas e grupos econômicos. A pesquisa monitora o uso da internet por mais de 500 mil pessoas em 270 mil sites no Brasil.

Claro, isso foi antes do blog ser tirado do ar pela Amazon. A Hitwise ainda não tem os dados sobre o novo endereço do wikileaks – wikileaks.ch. Mas já constatou que as buscas pelo termo WikiLeaks cresceram ao longo das últimas três semanas.

A notícia é boa para quem acha que o Wiki traz uma boa ideia que deve ser reproduzida no Brasil, para quem acha que os documentos do Cablegate são relevantes e pra quem acredita que no futuro a organização pode trazer ainda mais informações relevantes para o contexto nacional


Wikileaks por Natalia Viana

Original: http://cartacapitalwikileaks.wordpress.com/

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Um bando de provocadores

Reproduzo aqui o que disse o editor do New York Times, Bill Keller, sobre o WikiLeaks, hoje:

“Ao longo desta experiência, nós consideramos Julian Assange e seu alegre bando de provocadores e hackers como uma fonte. Não vou dizer uma fonte pura e simples, porque como qualquer repórter ou editor pode atestar, fontes são raramente puras e simples”.

Ele disse isso em um evento sobre jornalismo promovido pela Fundação Nieman, em Harvard. E afirmou ainda que Julian Assange não é um jornalista: “Pelo menos não do mesmo tipo que eu”.

Acho que a consideração é perfeita e vem no momento exato: Bill Keller apenas falou alto o que muitos jornais pensam.

A postura dele revela uma coisa simples, que é o fato de que muitos profissionais da mídia tradicional não estão prestando atenção no que está acontecendo com o jornalismo no mundo.

Falo de jornalismo grasroots ou comunitário, sim, falo de jornalismo espontâneo e de blogs, sim, mas falo principalmente de bom jornalismo, relevante e profundo que está surgindo de grupos independentes e também de centros de jornalismo investigativo – e que está retirando o monopólio dos veículos estabelecidos de produzir e propagar infomação, de dizer o que é ou não notícia.

Após taxar o WikiLeaks de “fonte”, o editor diz que “nenhuma fonte” é “pura e simples”. O raciocínio mais lógico é questionar se algum jornal é um jornal “puro e simples”, incluindo o New York Times. E isso não tira o mérito do bom jornalismo que muitos deles fazem.

Mas a coisa é um tanto pior porque o WikiLeaks obtem informações valiosas – sim, elas valem muito dinheiro. Vendem jornal. Causam escândalo. Então, neste caso, os veículos tradicionais se interessam e têm que negociar.

Por isso me assusta um pouco a defesa de que há um tipo “superior” de jornalista e “outro tipo” – neste quesito caberia o Julian Assange. Cheira a uma defesa desesperada de quem está perdendo seu nicho de mercado.

Não seria mais inteligente olhar as novas fronteiras do jornalismo, reconhecer as iniciativas bem-sucedidas e ficar feliz com o mundo de possibilidades que está se abrindo?


Wikileaks por Natalia Viana

Original:http://cartacapitalwikileaks.wordpress.com/

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sexta-feira, 10 de dezembro de 2010



Camisetas Pró-ASSANGE já está a venda
Grande variedade de estampas

Valor da camiseta R$25,00.

Contato e-mail: AMCAMISETAS@GMAIL.COM

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CAMISETAS NA MANIFESTAÇÃO




Amanhã estaremos na manifestação em favor da liberdade de Julian Assange.

Venderemos as camisetas no local por R$25,00.

Este blog apoia o site Wikileaks

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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

ATO PELA LIBERDADE DE JULIAN ASSANGE


Ato pela liberdade de Julian Assange





http://liberdadeparaassange.noblogs.org/ | CMI Brasil apoia Wikileaks e Julian Assange. | É impossível parar Wikileaks! | Por dentro do Wikileaks: a democracia passa pela transparência radical | Wikileaks mais uma vez desafia o Império | [Wikileaks] A velha mídia, como sempre, tenta tirar o foco do que é importante. | Wikileaks publica mais de 90 mil registros sobre a guerra no Afeganistão | Expor a verdade não é ilegal, a guerra que é!

Original: http://www.midiaindependente.org/

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terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Wikileaks



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Julian Assange - TRUTH WILL OUT

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Wikileaks I SUPPORT




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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Não haverá vencedores

MARCELO FREIXO



Pode parecer repetitivo, mas é isso: uma solução para a segurança pública do Rio terá de passar pela garantia dos direitos dos cidadãos da favela


Dezenas de jovens pobres, negros, armados de fuzis, marcham em fuga, pelo meio do mato. Não se trata de uma marcha revolucionária, como a cena poderia sugerir em outro tempo e lugar.
Eles estão com armas nas mãos e as cabeças vazias. Não defendem ideologia. Não disputam o Estado. Não há sequer expectativa de vida.
Só conhecem a barbárie. A maioria não concluiu o ensino fundamental e sabe que vai morrer ou ser presa.


As imagens aéreas na TV, em tempo real, são terríveis: exibem pessoas que tanto podem matar como se tornar cadáveres a qualquer hora. A cena ocorre após a chegada das forças policiais do Estado à Vila Cruzeiro e ao Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro.
O ideal seria uma rendição, mas isso é difícil de acontecer. O risco de um banho de sangue, sim, é real, porque prevalece na segurança pública a lógica da guerra. O Estado cumpre, assim, o seu papel tradicional. Mas, ao final, não costuma haver vencedores.
Esse modelo de enfrentamento não parece eficaz. Prova disso é que, não faz tanto tempo assim, nesta mesma gestão do governo estadual, em 2007, no próprio Complexo do Alemão, a polícia entrou e matou 19. E eis que, agora, a polícia vê a necessidade de entrar na mesma favela de novo.
Tem sido assim no Brasil há tempos. Essa lógica da guerra prevalece no Brasil desde Canudos. E nunca proporcionou segurança de fato. Novas crises virão. E novas mortes. Até quando? Não vai ser um Dia D como esse agora anunciado que vai garantir a paz. Essa analogia à data histórica da 2ª Guerra Mundial não passa de fraude midiática.
Essa crise se explica, em parte, por uma concepção do papel da polícia que envolve o confronto armado com os bandos do varejo das drogas. Isso nunca vai acabar com o tráfico. Este existe em todo lugar, no mundo inteiro. E quem leva drogas e armas às favelas?
É preciso patrulhar a baía de Guanabara, portos, fronteiras, aeroportos clandestinos. O lucrativo negócio das armas e drogas é máfia internacional. Ingenuidade acreditar que confrontos armados nas favelas podem acabar com o crime organizado. Ter a polícia que mais mata e que mais morre no mundo não resolve.
Falta vontade política para valorizar e preparar os policiais para enfrentar o crime onde o crime se organiza -onde há poder e dinheiro. E, na origem da crise, há ainda a desigualdade. É a miséria que se apresenta como pano de fundo no zoom das câmeras de TV. Mas são os homens armados em fuga e o aparato bélico do Estado os protagonistas do impressionante espetáculo, em narrativa estruturada pelo viés maniqueísta da eterna “guerra” entre o bem e o mal.
Como o “inimigo” mora na favela, são seus moradores que sofrem os efeitos colaterais da “guerra”, enquanto a crise parece não afetar tanto assim a vida na zona sul, onde a ação da polícia se traduziu no aumento do policiamento preventivo. A violência é desigual.
É preciso construir mais do que só a solução tópica de uma crise episódica. Nem nas UPPs se providenciou ainda algo além da ação policial. Falta saúde, creche, escola, assistência social, lazer.
O poder público não recolhe o lixo nas áreas em que a polícia é instrumento de apartheid. Pode parecer repetitivo, mas é isso: uma solução para a segurança pública terá de passar pela garantia dos direitos básicos dos cidadãos da favela.
Da população das favelas, 99% são pessoas honestas que saem todo dia para trabalhar na fábrica, na rua, na nossa casa, para produzir trabalho, arte e vida. E essa gente -com as suas comunidades tornadas em praças de “guerra”- não consegue exercer sequer o direito de dormir em paz.
Quem dera houvesse, como nas favelas, só 1% de criminosos nos parlamentos e no Judiciário…


MARCELO FREIXO, professor de história, deputado estadual (PSOL-RJ), é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

AI AI NÃO ERA PARA FALAR ISSO GUARACY MINGARDI

Todos comentaristas do caso eram cuidadosamente escolhidos para servir o sabor ao gosto do chefe. Quando de repente entra Guaracy Mingardi, cientista social da USP. “Se um gato é cercado, ele acaba arranhando. E se ele consegue fugir, deu errado o cerco e ele poderá oferecer mais perigo”. O desconforto do apresentador foi tão grande que a pressa em mudar de tom fez com que atropelasse o sujeito! Espetacular!


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Luiz Eduardo Soares e a cobertura da mídia

Último post do blog do Luiz Eduardo Soares um dos autores de Elite da Tropa (1 e 2) e Cabeça de Porco (com Mv Bill e Celso Athayde)quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Sempre mantive com jornalistas uma relação de respeito e cooperação. Em alguns casos, o contato profissional evoluiu para amizade. Quando as divergências são muitas e profundas, procuro compreender e buscar bases de um consenso mínimo, para que o diálogo não se inviabilize. Faço-o por ética –supondo que ninguém seja dono da verdade, muito menos eu--, na esperança de que o mesmo procedimento seja adotado pelo interlocutor. Além disso, me esforço por atender aos que me procuram, porque sei que atuam sob pressão, exaustivamente, premidos pelo tempo e por pautas urgentes. A pressa se intensifica nas crises, por motivos óbvios. Costumo dizer que só nós, da segurança pública (em meu caso, quando ocupava posições na área da gestão pública da segurança), os médicos e o pessoal da Defesa Civil, trabalhamos tanto –ou sob tanta pressão-- quanto os jornalistas.


go isso para explicar por que, na crise atual, tenho recusado convites para falar e colaborar com a mídia:
(1) Recebi muitos telefonemas, recados e mensagens. As chamadas são contínuas, a tal ponto que não me restou alternativa a desligar o celular. Ao todo, nesses dias, foram mais de cem pedidos de entrevistas ou declarações. Nem que eu contasse com uma equipe de secretários, teria como responder a todos e muito menos como atendê-los. Por isso, aproveito a oportunidade para desculpar-me. Creiam, não se trata de descortesia ou desapreço pelos repórteres, produtores ou entrevistadores que me procuraram.
(2) Além disso, não tenho informações de bastidor que mereçam divulgação. Por outro lado, não faria sentido jogar pelo ralo a credibilidade que construí ao longo da vida. E isso poderia acontecer se eu aceitasse aparecer na TV, no rádio ou nos jornais, glosando os discursos oficiais que estão sendo difundidos, declamando platitudes, reproduzindo o senso comum pleno de preconceitos, ou divagando em torno de especulações. A situação é muito grave e não admite leviandades. Portanto, só faria sentido falar se fosse para contribuir de modo eficaz para o entendimento mais amplo e profundo da realidade que vivemos. Como fazê-lo em alguns parcos minutos, entrecortados por intervenções de locutores e debatedores? Como fazê-lo no contexto em que todo pensamento analítico é editado, truncado, espremido –em uma palavra, banido--, para que reinem, incontrastáveis, a exaltação passional das emergências, as imagens espetaculares, os dramas individuais e a retórica paradoxalmente triunfalista do discurso oficial?
(3) Por fim, não posso mais compactuar com o ciclo sempre repetido na mídia: atenção à segurança nas crises agudas e nenhum investimento reflexivo e informativo realmente denso e consistente, na entressafra, isto é, nos intervalos entre as crises. Na crise, as perguntas recorrentes são: (a) O que fazer, já, imediatamente, para sustar a explosão de violência? (b) O que a polícia deveria fazer para vencer, definitivamente, o tráfico de drogas? (c) Por que o governo não chama o Exército? (d) A imagem internacional do Rio foi maculada? (e) Conseguiremos realizar com êxito a Copa e as Olimpíadas?
Ao longo dos últimos 25 anos, pelo menos, me tornei "as aspas" que ajudaram a legitimar inúmeras reportagens. No tópico, "especialistas", lá estava eu, tentando, com alguns colegas, furar o bloqueio à afirmação de uma perspectiva um pouquinho menos trivial e imediatista. Muitas dessas reportagens, por sua excelente qualidade, prescindiriam de minhas aspas –nesses casos, reduzi-me a recurso ocioso, mera formalidade das regras jornalísticas. Outras, nem com todas as aspas do mundo se sustentariam. Pois bem, acho que já fui ou proporcionei aspas o suficiente. Esse código jornalístico, com as exceções de praxe, não funciona, quando o tema tratado é complexo, pouco conhecido e, por sua natureza, rebelde ao modelo de explicação corrente. Modelo que não nasceu na mídia, mas que orienta as visões aí predominantes. Particularmente, não gostaria de continuar a ser cúmplice involuntário de sua contínua reprodução.
Eis por que as perguntas mencionadas são expressivas do pobre modelo explicativo corrente e por que devem ser consideradas obstáculos ao conhecimento e réplicas de hábitos mentais refratários às mudanças inadiáveis. Respondo sem a elegância que a presença de um entrevistador exigiria. Serei, por assim dizer, curto e grosso, aproveitando-me do expediente discursivo aqui adotado, em que sou eu mesmo o formulador das questões a desconstruir. Eis as respostas, na sequência das perguntas, que repito para facilitar a leitura:
(a) O que fazer, já, imediatamente, para sustar a violência e resolver o desafio da insegurança?
Nada que se possa fazer já, imediatamente, resolverá a insegurança. Quando se está na crise, usam-se os instrumentos disponíveis e os procedimentos conhecidos para conter os sintomas e salvar o paciente. Se desejamos, de fato, resolver algum problema grave, não é possível continuar a tratar o paciente apenas quando ele já está na UTI, tomado por uma enfermidade letal, apresentando um quadro agudo. Nessa hora, parte-se para medidas extremas, de desespero, mobilizando-se o canivete e o açougueiro, sem anestesia e assepsia. Nessa hora, o cardiologista abre o tórax do moribundo na maca, no corredor. Não há como construir um novo hospital, decente, eficiente, nem para formar especialistas, nem para prevenir epidemias, nem para adotar procedimentos que evitem o agravamento da patologia. Por isso, o primeiro passo para evitar que a situação se repita é trocar a pergunta. O foco capaz de ajudar a mudar a realidade é aquele apontado por outra pergunta: o que fazer para aperfeiçoar a segurança pública, no Rio e no Brasil, evitando a violência de todos os dias, assim como sua intensificação, expressa nas sucessivas crises?
Se o entrevistador imaginário interpelar o respondente, afirmando que a sociedade exige uma resposta imediata, precisa de uma ação emergencial e não aceita nenhuma abordagem que não produza efeitos práticos imediatos, a melhor resposta seria: caro amigo, sua atitude representa, exatamente, a postura que tem impedido avanços consistentes na segurança pública. Se a sociedade, a mídia e os governos continuarem se recusando a pensar e abordar o problema em profundidade e extensão, como um fenômeno multidimensional a requerer enfrentamento sistêmico, ou seja, se prosseguirmos nos recusando, enquanto Nação, a tratar do problema na perspectiva do médio e do longo prazos, nos condenaremos às crises, cada vez mais dramáticas, para as quais não há soluções mágicas.
A melhor resposta à emergência é começar a se movimentar na direção da reconstrução das condições geradoras da situação emergencial. Quanto ao imediato, não há espaço para nada senão o disponível, acessível, conhecido, que se aplica com maior ou menor destreza, reduzindo-se danos e prolongando-se a vida em risco.
A pergunta é obtusa e obscurantista, cúmplice da ignorância e da apatia.
(b) O que as polícias fluminenses deveriam fazer para vencer, definitivamente, o tráfico de drogas?
Em primeiro lugar, deveriam parar de traficar e de associar-se aos traficantes, nos "arregos" celebrados por suas bandas podres, à luz do dia, diante de todos. Deveriam parar de negociar armas com traficantes, o que as bandas podres fazem, sistematicamente. Deveriam também parar de reproduzir o pior do tráfico, dominando, sob a forma de máfias ou milícias, territórios e populações pela força das armas, visando rendimentos criminosos obtidos por meios cruéis.
Ou seja, a polaridade referida na pergunta (polícias versus tráfico) esconde o verdadeiro problema: não existe a polaridade. Construí-la –isto é, separar bandido e polícia; distinguir crime e polícia-- teria de ser a meta mais importante e urgente de qualquer política de segurança digna desse nome. Não há nenhuma modalidade importante de ação criminal no Rio de que segmentos policiais corruptos estejam ausentes. E só por isso que ainda existe tráfico armado, assim como as milícias.
Não digo isso para ofender os policiais ou as instituições. Não generalizo. Pelo contrário, sei que há dezenas de milhares de policiais honrados e honestos, que arriscam, estóica e heroicamente, suas vidas por salários indignos. Considero-os as primeiras vítimas da degradação institucional em curso, porque os envergonha, os humilha, os ameaça e acua o convívio inevitável com milhares de colegas corrompidos, envolvidos na criminalidade, sócios ou mesmo empreendedores do crime.
Não nos iludamos: o tráfico, no modelo que se firmou no Rio, é uma realidade em franco declínio e tende a se eclipsar, derrotado por sua irracionalidade econômica e sua incompatibilidade com as dinâmicas políticas e sociais predominantes, em nosso horizonte histórico. Incapaz, inclusive, de competir com as milícias, cuja competência está na disposição de não se prender, exclusivamente, a um único nicho de mercado, comercializando apenas drogas –mas as incluindo em sua carteira de negócios, quando conveniente. O modelo do tráfico armado, sustentado em domínio territorial, é atrasado, pesado, anti-econômico: custa muito caro manter um exército, recrutar neófitos, armá-los (nada disso é necessário às milícias, posto que seus membros são policiais), mantê-los unidos e disciplinados, enfrentando revezes de todo tipo e ataques por todos os lados, vendo-se forçados a dividir ganhos com a banda podre da polícia (que atua nas milícias) e, eventualmente, com os líderes e aliados da facção. É excessivamente custoso impor-se sobre um território e uma população, sobretudo na medida que os jovens mais vulneráveis ao recrutamento comecem a vislumbrar e encontrar alternativas. Não só o velho modelo é caro, como pode ser substituído com vantagens por outro muito mais rentável e menos arriscado, adotado nos países democráticos mais avançados: a venda por delivery ou em dinâmica varejista nômade, clandestina, discreta, desarmada e pacífica. Em outras palavras, é melhor, mais fácil e lucrativo praticar o negócio das drogas ilícitas como se fosse contrabando ou pirataria do que fazer a guerra. Convenhamos, também é muito menos danoso para a sociedade, por óbvio.
(c) O Exército deveria participar?
Fazendo o trabalho policial, não, pois não existe para isso, não é treinado para isso, nem está equipado para isso. Mas deve, sim, participar. A começar cumprindo sua função de controlar os fluxos das armas no país. Isso resolveria o maior dos problemas: as armas ilegais passando, tranquilamente, de mão em mão, com as benções, a mediação e o estímulo da banda podre das polícias.
E não só o Exército. Também a Marinha, formando uma Guarda Costeira com foco no controle de armas transportadas como cargas clandestinas ou despejadas na baía e nos portos. Assim como a Aeronáutica, identificando e destruindo pistas de pouso clandestinas, controlando o espaço aéreo e apoiando a PF na fiscalização das cargas nos aeroportos.
(d) A imagem internacional do Rio foi maculada? Claro. Mais uma vez.
(e) Conseguiremos realizar com êxito a Copa e as Olimpíadas?
Sem dúvida. Somos ótimos em eventos. Nesses momentos, aparece dinheiro, surge o "espírito cooperativo", ações racionais e planejadas impõem-se. Nosso calcanhar de Aquiles é a rotina. Copa e Olimpíadas serão um sucesso. O problema é o dia a dia.
Palavras Finais
Traficantes se rebelam e a cidade vai à lona. Encena-se um drama sangrento, mas ultrapassado. O canto de cisne do tráfico era esperado. Haverá outros momentos análogos, no futuro, mas a tendência declinante é inarredável. E não porque existem as UPPs, mas porque correspondem a um modelo insustentável, economicamente, assim como social e politicamente. As UPPs, vale dizer mais uma vez, são um ótimo programa, que reedita com mais apoio político e fôlego administrativo o programa "Mutirões pela Paz", que implantei com uma equipe em 1999, e que acabou soterrado pela política com "p" minúsculo, quando fui exonerado, em 2000, ainda que tenha sido ressuscitado, graças à liderança e à competência raras do ten.cel. Carballo Blanco, com o título GPAE, como reação à derrocada que se seguiu à minha saída do governo. A despeito de suas virtudes, valorizadas pela presença de Ricardo Henriques na secretaria estadual de assistência social --um dos melhores gestores do país--, elas não terão futuro se as polícias não forem profundamente transformadas. Afinal, para tornarem-se política pública terão de incluir duas qualidades indispensáveis: escala e sustentatibilidade, ou seja, terão de ser assumidas, na esfera da segurança, pela PM. Contudo, entregar as UPPs à condução da PM seria condená-las à liquidação, dada a degradação institucional já referida.
O tráfico que ora perde poder e capacidade de reprodução só se impôs, no Rio, no modelo territorializado e sedentário em que se estabeleceu, porque sempre contou com a sociedade da polícia, vale reiterar. Quando o tráfico de drogas no modelo territorializado atinge seu ponto histórico de inflexão e começa, gradualmente, a bater em retirada, seus sócios –as bandas podres das polícias-- prosseguem fortes, firmes, empreendedores, politicamente ambiciosos, economicamente vorazes, prontos a fixar as bandeiras milicianas de sua hegemonia.
Discutindo a crise, a mídia reproduz o mito da polaridade polícia versus tráfico, perdendo o foco, ignorando o decisivo: como, quem, em que termos e por que meios se fará a reforma radical das polícias, no Rio, para que estas deixem de ser incubadoras de milícias, máfias, tráfico de armas e drogas, crime violento, brutalidade, corrupção? Como se refundarão as instituições policiais para que os bons profissionais sejam, afinal, valorizados e qualificados? Como serão transformadas as polícias, para que deixem de ser reativas, ingovernáveis, ineficientes na prevenção e na investigação?
As polícias são instituições absolutamente fundamentais para o Estado democrático de direito. Cumpre-lhes garantir, na prática, os direitos e as liberdades estipulados na Constituição. Sobretudo, cumpre-lhes proteger a vida e a estabilidade das expectativas positivas relativamente à sociabilidade cooperativa e à vigência da legalidade e da justiça. A despeito de sua importância, essas instituições não foram alcançadas em profundidade pelo processo de transição democrática, nem se modernizaram, adaptando-se às exigências da complexa sociedade brasileira contemporânea. O modelo policial foi herdado da ditadura. Ele servia à defesa do Estado autoritário e era funcional ao contexto marcado pelo arbítrio. Não serve à defesa da cidadania. A estrutura organizacional de ambas as polícias impede a gestão racional e a integração, tornando o controle impraticável e a avaliação, seguida por um monitoramento corretivo, inviável. Ineptas para identificar erros, as polícias condenam-se a repeti-los. Elas são rígidas onde teriam de ser plásticas, flexíveis e descentralizadas; e são frouxas e anárquicas, onde deveriam ser rigorosas. Cada uma delas, a PM e a Polícia Civil, são duas instituições: oficiais e não-oficiais; delegados e não-delegados.
E nesse quadro, a PEC-300 é varrida do mapa no Congresso pelos governadores, que pagam aos policiais salários insuficientes, empurrando-os ao segundo emprego na segurança privada informal e ilegal.
Uma das fontes da degradação institucional das polícias é o que denomino "gato orçamentário", esse casamento perverso entre o Estado e a ilegalidade: para evitar o colapso do orçamento público na área de segurança, as autoridades toleram o bico dos policiais em segurança privada. Ao fazê-lo, deixam de fiscalizar dinâmicas benignas (em termos, pois sempre há graves problemas daí decorrentes), nas quais policiais honestos apenas buscam sobreviver dignamente, apesar da ilegalidade de seu segundo emprego, mas também dinâmicas malignas: aquelas em que policiais corruptos provocam a insegurança para vender segurança; unem-se como pistoleiros a soldo em grupos de extermínio; e, no limite, organizam-se como máfias ou milícias, dominando pelo terror populações e territórios. Ou se resolve esse gargalo (pagando o suficiente e fiscalizando a segurança privada /banindo a informal e ilegal; ou legalizando e disciplinando, e fiscalizando o bico), ou não faz sentido buscar aprimorar as polícias.
O Jornal Nacional, nesta quinta, 25 de novembro, definiu o caos no Rio de Janeiro, salpicado de cenas de guerra e morte, pânico e desespero, como um dia histórico de vitória: o dia em que as polícias ocuparam a Vila Cruzeiro. Ou eu sofri um súbito apagão mental e me tornei um idiota contumaz e incorrigível ou os editores do JN sentiram-se autorizados a tratar milhões de telespectadores como contumazes e incorrigíveis idiotas.
Ou se começa a falar sério e levar a sério a tragédia da insegurança pública no Brasil, ou será pelo menos mais digno furtar-se a fazer coro à farsa.

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